A Cosmogênesis Guarani
No princípio Nhanderu (Nosso-Pai) criou quatro deuses principais para que ajudassem na criação da Terra e de todos os seres lá criados. Os quatro deuses formam um quaternário — simbolizando o número da Palavra manifestada; portanto, o número da Emanação, pois a Emanação é a manifestação do Verbo; dele derivam os outros graus da manifestação do Ser —, do qual respetivamente são: o norte é Jakaira, deus da neblina vivificante e das brumas que abrandam o calor, origem dos bons ventos; o leste é Karai, deus do fogo e do ruído do crepitar das chamas sagradas; no sul, Nhamandu, deus do Sol e das palavras, representa a origem do tempo-espaço primordial; no oeste, Tupã o deus das águas, do mar e de suas extensões, das chuvas, dos relâmpagos e dos trovões; e, por fim, Nhanderu representando zênite.
A Cosmologia Guarani
Na Cosmologia Guarani, tudo é baseado, decidido e planejado em sincronia com o Céu; ou seja, enquanto cosmovisão, segue as intimações celestes. Ao observarmos o subgrupo Guarani chamado “mbyá-guarani”, percebemos a mesma coisa: os mbyá dão muita importância aos fenômenos celestes antes de tomar qualquer decisão que envolva o coletivo. Isso porque o ethos do guarani, denominado de Nandereko ou Teko, equivale à máxima “viver como os antigos”, que para eles pode ser traduzida como “modo de ser verdadeiro”; o que nos lembra as palavras de Eric Voegelin, onde ele diz que “a melhor forma de retomar o contato com a realidade é recorrer a pensadores do passado que ainda não a tinham perdido ou estavam empenhados em recuperá-la”. Desse modo, como toda Sociedade Tradicional, os Guarani não são muito diferentes, pois basicamente as plantações, as colheitas, as decisões políticas (cosmopolítica), o trabalho com artesanato, a organização social e os ensinamentos dos karaí (xamã), obedecem aos eventos míticos concebidos como mediação simbólica entre o Céu (espiritual) e a Terra (corpóreo). Os Guarani baseiam-se, por completo, pelo ciclo cósmico; o ritual do “batismo” (nimon-garai ou nheemongarai, em guarani), em que as crianças recebem seu nome, depende de um calendário lunissolar e da orientação espacial: após a colheita do milho plantado nessa época é que realizam o batismo das crianças.
O simbolismo solar exerce um grande papel na Cosmologia Guarani; o Sol é o principal regulador da vida na Terra e tem grande significado religioso. Todo o cotidiano deles está voltado para a busca da força espiritual do Sol. Os guaranis, por exemplo, nomeiam o Sol de Kuaray, para a realidade corpórea, e de Nhamandu, para a realidade espiritual. O nome que as crianças Guarani recebem no batismo do xamã (Karaí), através da mediação dos quatro deuses; e que representa a sua “alma-palavra”, do qual está associado aos quatro pontos cardeais e aos ancestrais (clãs) associados ao sol (kuaray), ao relâmpago (werá), ao mar e oceano (Pará), às flores (Poty), ao universo (Yva) e etc.
Assim como todas as outras sociedades tradicionais, o pensamento Guarani possui uma concepção unitária do cosmos, não separando, portanto, o mito da realidade, o real do imaginário, uma vez que o mito opera justamente como modelo exemplar da conduta humana, isto é, o modelo mítico, trans-humano e, por conseguinte, que decorria num Tempo sagrado. Os mitos revelam visões simbólicas sobre a natureza profunda das coisas, ou encerravam preceitos morais, exprimindo, desse modo, uma só verdade fundamental; contendo em si o saber que caracteriza o universo cosmológico tradicional.