The Boy and Heron (2023) é o filme mais recente de Hayao Miyazaki, um dos co-fundadores do Studio Ghibli. A trama fundamental se baseia no famoso conceito de “descida aos infernos”1, bastante presente na Divina Comédia — que, aliás, o filme faz referência —, onde Mahito (ou, se preferir, a alma) precisa descer ao submundo para se tornar “algo mais” e recuperar a sua mãe. A garça, aqui, desempenha um papel essencial — análogo ao de Virgílio na Divina Comédia — sendo a responsável por guiar o rapaz em toda a sua aventura. Na cultura chinesa, a garça é a mensageira do Céu, e diz a lenda que as suas poderosas asas são capazes de levar as almas para o paraíso, ou seja, para os níveis mais elevados de Realização Espiritual.
Essa obra, além de simbólica, também possui uma lição: é preciso renunciar a todo desejo por poder, todo o egoísmo e toda a soberba para se tornar verdadeiramente humano. Daí a necessidade de descer até os submundos, pois sem essa descida, ou “purificação”, a alma é incapaz de se libertar dos grilhões que a aprisionam.
O tio-avô de Mahito se assemelha muito ao Mago Merlin, mas também ao próprio Miyazaki, por isso ele é o Rei daquela realidade fantástica com vários mundos diferentes, que são nada mais, nada menos, que todas as obras de Miyazaki. Assim, além de ter um aspecto autobiográfico — o pai de Miyazaki era construtor de peças de aviões — o filme também aborda um aspecto de renúncia: é preciso renunciar os nossos medos, os nossos traumas, e ter coragem de superá-los, de vencê-los; só assim você poderá seguir adiante.
Para entender melhor esse conceito, ver meu texto: A Descida aos Infernos